por: Guilherme Marin e Paulo Edison de Oliveira (Índio)
Em tempos de organização social em rede através do constante aprimoramento tecnológico da internet, muitos conflitos de interesse se acumulam em torno do compartilhamento e da produção de conteúdos audiovisuais. Para a discussão de temas para os quais ainda não temos solução foi criado o Fórum Internacional de Governança na Internet - IGF, que, em sua terceira edição no ano de 2008, foi realizado na cidade de Hyderabad, Índia.O imaginário coletivo associa, muitas vezes, a internet a um modelo anárquico de livre expressão de idéias e intercâmbio de conteúdos, portanto, ao reunirmos certo grupo de pessoas que debatem acerca de bases para a constituição de regras logo vem à mente o modelo ocidental positivo de contrato social.
Generosa foi a curadoria das mesas de debate que buscou aprofundar três eixos temáticos embasados no desafio da inclusão do próximo bilhão de usuários globais na internet, nas dificuldades de infra-estrutura de acesso que essa inclusão implicará e, ainda, como se dará este processo no trato de tamanha diversidade humana em que um universo lingüístico não encontra representatividade de conteúdos frente a um número restrito de idiomas que prevalecem na web.Entre as questões fundamentais estão algumas perguntas como, por exemplo: Incluir para quê? Inclusão a serviço de quem? A criação de infra-estrutura atende a demanda de que mercado? A padronização de um idioma serve aos interesses de quais áreas do conhecimento e países?A humanidade imersa em crise econômica, histórica e social, vive um período em que o modelo de sociedade de consumo e o ideal de organização social se encontram desacreditados, enquanto se assiste confortavelmente a banalização da vida e a desumanidade nas relações de mercado. As relações em rede, tanto econômica como social, fazem parte da sociedade moderna, não obstante podemos dizer que a web está consolidada como uma ferramenta essencial para a troca de conhecimento entre a diversidade de povos que constituem a humanidade.Segundo previsões deveremos atingir a expressiva marca de um bilhão de usuários de internet em 2009, portanto, é o momento apropriado para refletir uma ética global a partir do que já observamos nestes primeiros passos de consolidação de redes sociais transnacionais e devemos nos perguntar sobre os desafios que deveremos enfrentar no processo de inclusão do próximo bilhão de usuários. É importante discutirmos como podemos partilhar este espaço com os próximos que se juntarão a redes, produzirão textos, podcasts e vídeos distribuídos em canais globalmente conectados como o celular, a internet e a TV digital.
O encontro de culturas tão diversas produz choques, inevitavelmente, ao passo que perdemos a referência espacial entre ocidente e oriente, periferia ou centro, e passamos a nos identificar conceitualmente enquanto redes. A economia contemporânea, segundo o geógrafo Milton Santos, se organiza em rede, todavia, a demanda é definida do externo para o interno, ou seja, o mercado por meio da intensa propaganda massifica o ideal de sociedade construindo quase que hegemonicamente um modelo social padrão. É a supressão da cultura, do conhecimento local e a dependência externa que gera concentração de renda, apropriação de conhecimento, exploração e miséria.O futuro nos obriga a buscar soluções que atuem em mediação com fins de equilibrar, em oposição ao modelo da negociação predominantemente utilizado na cultura ocidental, que favorece o aparecimento de assimetrias e pode facilmente ser observado pela análise da infra-estrutura de conexão das regiões mais carentes do planeta, cujas precariedades aumentam o custo por tecnologias alternativas mais sofisticadas. Injustamente vivemos um modelo em que o custo de produtos e serviços é extremamente maior para os que menos podem pagar, o caso da maior parcela da população mundial. Devemos lembrar que exemplos não faltam de investimentos externos que geraram desenvolvimento e ao mesmo tempo dependência, padronizações de consumo e relacionamentos. Na America Latina, por exemplo, viveu-se um processo histórico de importação de tecnologia em invés de investimentos na produção tecnológica, tornando-a dependente dos acordos e regras da política econômica internacional que gera miséria e concentração de riquezas. Não defendemos o isolamento econômico, investimentos internos devem ser mediados, existe a necessidade de pensar o que, como, quais as principais conseqüências sócio-ambiental e quem se beneficiará no longo prazo por esse investimento.Afora lançarmos a atenção a aspectos técnico-físicos relativos a acessibilidade, nos obrigamos a enfrentar o desafio de produção de conteúdo que identifique realmente esta diversidade. Neste aspecto a escolha da Índia como anfitriã do IGF também foi muito apropriada devido a grandeza populacional e da miscelânea cultural de seu bilhão de falantes distribuídos em diversas línguas particulares de cada região do país.O rompimento do padrão espacial estabelecido aproxima o rural e o urbano, o materialismo e o espiritualismo, e nunca a noção de valor foi tão distanciada do ícone do dinheiro como no momento histórico em que vivemos. Devemos avaliar a importância dos preciosos conhecimentos tradicionais de culturas longevas, sua oralidade, sua mitologia, línguas e artes, são de valor inestimável desenvolvido historicamente pela ancestralidade humana. Neste novo contexto de rede global, o conceito de Humanidade ganha em significado. Afinal, todos os homens e mulheres do planeta são partícipes desta comunidade chamada Humanidade?O que atrai na internet é a possibilidade de acesso a conhecimentos construídos em um sem número de países. A abrangência do banco de dados e de aplicativos disponibilizado terá relação direta com a capacidade de cada indivíduo de transitar em diversas línguas, hoje com preponderância para o inglês.Países, como Burkina Faso, que adotaram como língua oficial um idioma diferente daquele que guarda o conhecimento tradicional de sua população, apresentam casos bastante sensíveis, visto que a maior parte da comunicação entre os cidadãos se dá pela tradição que detém o conhecimento oral de sua cultura. Poucas são as línguas tradicionais que foram transcritas em caracteres compatíveis com as interfaces existentes. Trata-se de disponibilizar conhecimento e esta é a base funcional da própria internet.É necessário criar ciberespaços em que os usuários se identifiquem e se reconheçam. Só assim é possível gerar interesse e proliferar a produção de conteúdo, localmente. O recurso audiovisual assume fundamental importância enquanto instrumento de registro da oralidade e da linguagem corporal e é capaz de agregar comunidades, além de possibilitar a comunicação direta entre pontos isolados geograficamente, mas que partilhem identidades culturais. A internet é baseada não só na produção de conhecimento, mas na interatividade que constrói críticas e comunidades a partir dos conteúdos postados.O receio reside no fato de sabermos se haverá catalização de esforços nesta direção ou se manteremos a lógica ocidental iluminista que busca estabelecer formas a priori que abranjam a totalidade das experiências. Ora, num mundo em que a diversidade cultural está cada vez mais surpreendente, não é possível pensarmos em modelo totalizante porque assim caminhamos rumo à injustiça.Nosso momento histórico exige respeito, solidariedade e ética. Não banalizemos estas palavras, pois vivemos emergências ambientais, sociais e econômicas, em que o modo de vida global passa a fazer parte da cinética cotidiana individual de cada pessoa do planeta. As relações pessoais em ambiente virtual devem buscar romper este padrão de massificação cultural que vivemos muitas vezes estimuladas por governos e empresas que têm dentro de si, na burocracia e no projeto industrial, a padronização de inúmeras repetições umas idênticas às outras a fim de ganhar eficiência, reduzir tempo e custos.Pessoas não podem se resumir a fichas e processos. O caminho para a preservação e difusão cultural deve respeitar um equilíbrio e propiciar a livre escolha do usuário da internet. A falta de conteúdo em línguas tradicionais em Burkina Faso mantém as pessoas fora da internet. O ensino de francês aos falantes de Mòore ou Dyula não resultará em um efeito inclusivo, mas na exclusão da identidade cultural burkinense da web e desta forma impossibilitará a apropriação do ciberespaço por sua população.É necessário esforço governamental, de empresas e da sociedade civil organizada nesta trajetória de construção e colaboração para que conteúdos e aplicativos sejam disponibilizado de modo igualitário.A sociedade local tem que participar e conseqüentemente se mobilizar para atuarem como protagonistas na construção de uma sociedade global mais justa com respeito a diferenças, sendo a internet uma ferramenta que possibilita a produção e acesso ao conhecimento de todos e a todos.
Mais informações:www.ivoz.org.br
www.nucleofortec.org.br/
http://etnodesenvolvimento.wordpress.com
http://etnodesenvolvimento-esteticanegra.blogspot.com/
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