(Lei 5.764/71). A autoria é do Senador Osmar Dias (PDT/Paraná) e a relatoria está a cargo do Senador Demóstenes Torres (PFL/GO).
O projeto, da forma como está, interessa exclusivamente a um setor do cooperativismo nacional, representado pela Organização das Cooperativas do Brasil (OCB) e suas representações estaduais (OCE's). Tais entidades agregam majoritariamente as grandes cooperativas, em geral de produtores, com destaque para o agronegócio, saúde complementar, crédito e consumo.
A Economia Solidária repudia o PLS - 171
Nós - entidades que atuam na área da economia solidária - manifestamos nosso profundo descontentamento e repúdio à atual versão do projeto.
A Economia Solidária é um amplo movimento social que ganha força a partir dos anos 90, em razão dos efeitos da crise social do desemprego em massa e da exclusão social, ao combater essas mazelas com a geração de trabalho e renda. Neste período, surgiram, em todo o país não só cooperativas de empresas recuperadas pelos empregados, cooperativas em assentamentos de reforma agrária, cooperativas de humildes prestadores de serviços nas periferias das metrópoles, cooperativas de catadores de material reciclável, de camponeses e de artesãos empobrecidos etc, ainda políticas públicas nas três esferas do poder público - municipal, estadual e federal (com a SENAES - Secretaria Nacional de Economia Solidária).
A opção que alguns empreendimentos da ECOSOL fizeram pela modalidade de cooperativa deve-se até mesmo à origem deste instituto, no Século XIX, quando operários resolveram constituir as primeiras sociedades, na Inglaterra, França e Alemanha. É certo que, desde então, o cooperativismo cresceu muito e avançou para outros setores mais bem estruturados financeiramente, mas não se pode perder de vista que se trata de algo criado para atender às amplas camadas de trabalhadores, pobres e marginalizados, que se unem a fim de gerar negócios que possam garantir trabalho e renda aos seus integrantes.
Os graves efeitos do projeto
O texto atual do PLS - 171, se aprovado, deverá trazer graves conseqüências para o movimento da economia solidária. Podemos apontar, dentre outros, os seguintes principais problemas detectados:
a) O Projeto prevê, em seu artigo 8º, exigências formais prévias ao registro na Junta Comercial. Será necessário submeter os atos constitutivos ao "órgão estadual de representação do sistema cooperativista", as OCE's - organizações por Estados - vinculadas nacionalmente à Organização das Cooperativas Brasileiras - OCB (artigo 102).
Isto significa que, além dos atuais atos formais necessários ao registro e funcionamento das sociedades com fins econômicos, outras providências deverão ser realizadas o que poderá redundar em (mais) meses de espera (com mais e mais idas e vindas de papéis para a formalização do empreendimento).
Estudos apontam que, no Brasil, são necessários, em média, 152 dias para se registrar uma empresa. No caso das cooperativas, o tempo será ainda mais longo, em face da burocracia adicional criada pelo PLS 1711.
Há ainda dois agravantes:o primeiro é o custo de tudo isto, já que mais taxas serão cobradas dos interessados, a fim de que seus atos possam ser levados ao registro. O segundo é o fato de se atribuir tal "registro prévio" a uma entidade privada, como é o caso da OCB. Esta tem seus interesses particulares e sua doutrina e - pode-se supor - deverá impor tais propósitos no momento em que passar a realizar a tarefa do registro prévio.
Em nosso entendimento, o registro deve continuar sendo realizado nas Juntas Comerciais de cada Estado, que são entes especializados em registros públicos de sociedades que exercem atividades econômicas.
b) O Projeto prevê que todo o cooperativismo nacional será representado apenas pela OCB e suas ramificações estaduais (artigos 102 a 106).
Isto tem um significado atroz. Não é democrático pregar, numa sociedade plural como a nossa, que apenas uma entidade possa representar milhares de organizações e milhões de milhões de pessoas, compulsoriamente. Defendemos que os interessados escolham a entidade que mais bem defenda os seus interesses. Esta pode ser a própria OCB, se as cooperativas assim decidirem livremente; não por imposição legal. A compulsoriedade da filiação, porém é inaceitável.
O artigo 106 do Projeto prevê o pagamento de uma taxa anual, fixada atualmente em 0,2% (zero vírgula dois por cento) do montante do capital mais fundos. O mais incrível é que este percentual poderá aumentar indefinidamente, pois prevê- se que a assembléia da OCB defina novo percentual, posteriormente. O destino dos recursos é o custeio da estrutura da OCB e suas representações estaduais.
Inconstitucionalidades
Os dois pontos, até aqui apreciados, violam, a Constituição Federal. Assim é que a lei fundamental estabeleceu a plena liberdade para as cooperativas constituírem-se e funcionarem, na forma da lei, vedando qualquer tipo de interferência na organização desses empreendimentos. Isto significa que está garantida a ampla liberdade de associação a abranger, inclusive, a liberdade de não se vincular a nenhuma organização, associação ou sindicato (artigo 5°, caput e incisos XVII, XVIII e XX).
Ademais, o pluralismo político está entre os princípios fundamentais da República (Art. 1°, V) e deva ser observado por todos, especialmente pelos nossos legisladores.
Cumpre às cooperativas, como a qualquer outra sociedade de fins econômicos, tomar as medidas necessárias e exigíveis para efeito de registro nos órgãos públicos. Quaisquer óbices criados à realização destes atos perante o poder público caracterizam-se como interferência indevida na organização e funcionamento das cooperativas (artigo 5°, XVIII c/c artigo 170, caput).
O Projeto representa também um desestímulo ao cooperativismo porquanto estabelece novas obrigações às quais os demais entes econômicos não estão submetidos (174, § 2º). Ainda, a Constituição assegura a "livre iniciativa", o que significa, no caso presente, a proibição de fixação de restrições e dificuldades para as cooperativas (artigo 170, caput c/c artigo174, caput e § 2º).
Condicionar tais registros e a realização de atos pelas cooperativas ao crivo de um único ente privado - que possui seus próprios interesses -, significa a criação de mais um "cartório", a atuar de maneira monopolística (artigo 170, caput). Não existe qualquer razão plausível para se estabelecer um privilégio a apenas uma das tantas entidades que hoje representam o movimento cooperativista no País, quando a democracia em constituição no país reconhece a existência de vários atores no sistema cooperativista brasileiro. Ao contrário, configura um atentado ao princípio da isonomia, que assegura tratamento igualitário para todos os que estejam na mesma situação (artigo 5º, caput).
Fica, portanto, fortemente evidenciada a gravidade dos fatos no que tange ao perigo da formalização de monopólio de representação e monitoramento das cooperativas pela OCB e OCE's, eis que o Projeto contém evidentes vícios de inconstitucionalidade, os quais deverão ser corrigidos pelo Parlamento.
Outros problemas
O PLS 171 contém ainda outros entraves ao progresso do genuíno cooperativismo nacional, cujos destaques são:
a) Não prevê limite máximo de capital subscrito pelos sócios, o que pode redundar em importantes distorções, eis que poucos deles poderão deter a quase totalidade das quotas da sociedade (artigo 11).
Propomos que se assegure o teto de 1/3 por sócio, como existe hoje.
b) As sociedades empresariais (sociedades anônimas, limitadas etc) poderão ingressar nas cooperativas (artigo 17), atuar na sua gestão (artigo 58) e ter acesso aos resultados (artigo57), gozando, assim, das vantagens tributárias fixadas em lei. Isto, evidentemente, vai descaracterizar a natureza específica da cooperativa da cooperativa de fins não lucrativos, tornando-a extensão dos interesses particulares das empresas. A grande maioria dos sócios que aportam menos capital, ficará, na prática, à mercê dos interesses destas companhias.
Propomos que apenas excepcionalmente, sejam aceitas empresas como sócias de cooperativas; a gestão deve estar a cargo exclusivo dos sócios - pessoas físicas; admitimos os certificados de aportes de capital (artigos 54 a 57), porém direito a fiscalização na gestão pelo investidor, vedado ainda o acesso aos resultados da cooperativa. Os juros e demais condições devem ser previamente contratados.
c) As assembléias - a mais importante oportunidade de participação e de deliberação dos sócios - continuarão sendo meramente formais e homologatórias das decisões da administração, na medida em que o Projeto sequer prevê quorum mínimo de participação e obriga a publicação dos editais em jornais, o que onera as menores cooperativas sem assegurar efetivamente o conhecimento pelos sócios da sua convocação.
Propomos sejam aceitos outros meios de convocação menos onerosos e mais eficientes e que, para determinados temas, seja estabelecido o quorum mínimo.
Lado outro, o Projeto nada dispõe incentivo e fomento ao cooperativismo; políticas publicas de apoio e investimentos; financiamentos em condições favoráveis; adequado tratamento tributário ao ato cooperativo; enfim variados temas que poderiam ser acrescidos ao texto se houvesse um debate mais amplo com a sociedade.
Propomos seja aprofundado o dialogo com todos os amplos setores que representam o cooperativismo nacional, com o objetivo de assegurar, por um lado, o respeito à Constituição Federal e aos legítimos princípios cooperativistas e, por outro, criar mecanismos eficientes de incentivos e fomento para as cooperativas.
Assim, nós da economia solidária, estamos inteiramente dispostos a contribuir e esperamos ser efetivamente ouvidos pelos senhores parlamentares e pelos entes de Governo interessados na matéria.
Huberlan Rodrigues - Assessor Jurídico da UNITRABALHO - Fundação Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho
Marcelo Mauad - Assessor Jurídico da UNISOL - União e Solidariedade das Cooperativas e Empreendimentos de Economia Social do Brasil
Jorge Luis Martins - Assessor jurídico da ANTEAG - Associação Nacional de Trabalhadores e Empresas de Autogestão e Participação Acionaria
1 O Brasil é um dos campeões mundiais em burocracia . O relatório "Doing Business in 2004", elaborado pelo International Finance Corporation - cujo foco é o papel do ambiente regulatório no desempenho do setor privado - aponta que a maioria dos países do mundo preocupa - se em reduzir os atos formais e burocráticos ao mínimo possível para a existência jurídica das empresas ou demais sociedades. Na Austrália, uma empresa é constituída, em media, em 2 dias; nos EUA, 4 dias; na Argentina, 68; nos paises da América Latina, 72 dias; e no Brasil, 152 dias. Isto é o necessário para que um empreendimento possa estar funcional plenamente.
Fonte: Revista de Economia Solidária. Ano 2, nº 1, Junho de 2006
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