segunda-feira, 27 de abril de 2009

Três meses de paralisação das Universidades Francesas

Erika Campelo

de Paris

Estudantes protestam com cartazes do sindicato de professores (IUFM)

As universidades públicas francesas, um dos símbolos do país, estão paralisadas há três meses. Da Sorbonne, a mais prestigiosa, à Nanterre, considerada a mais à esquerda, os professores e estudantes das 83 universidades se mobilizaram para denunciar uma reforma do governo que seria, segundo eles, uma privatização do sistema. Com o final das férias escolares da primavera, algumas universidades retomaram as aulas semana passada. Mas a maioria continua paralisada.

A crise começou em janeiro, com a publicação do decreto de lei que altera o estatuto dos 57 mil professores universitários e dos laboratórios de pesquisa. "A França precisa ganhar a batalha da inteligência. A transformação do nosso sistema de pesquisa é necessária para sairmos da infantilidade, que paralisa a criatividade e a inovação", declarou o presidente Nicolas Sarkozy.

As universidades francesas não dispõem de nenhuma autonomia administrativa nem financeira. "Elas devem ficar mais atraentes e eficientes. Um universitário inglês produz 30% a mais de artigos que um universitário francês com o mesmo orçamento para pesquisa", argumenta uma assessora da ministra do ensino superior Valérie Pécresse, que prefere não ser identificada.

Novas regras

A principal mudança é no funcionamento administrativo. Até agora, o poder era dividido entre três conselhos: administrativo, científico, e da vida universitária. Com a reforma, tudo será concentrado entre o reitor e o conselho administrativo, que poderão nomear o corpo docente e administrativo e ainda criar cursos. O reitor poderá decidir sozinho sobre a carreira de cada professor, avaliando e distribuindo bônus financeiro por mérito.

"Com esse novo sistema, estamos criando uma forma de clientelismo acadêmico. Tudo vai depender da boa vontade do reitor: as contratações, a evolução de carreira", lamenta Thamy Ayouch, professor de Psicologia na universidade Lille 3. A assessora da ministra descarta o argumento: "o objetivo é que haja uma relação de igual para igual dentro das universidades e que todas as decisões não venham do poder central".

Outra mudança refere-se à autonomia das universidades. Até agora, o Estado financia 75% do total dos gastos das instituições. Com a reforma, todas terão direito de receber até 100% de seus recursos da iniciativa privada. “O governo fala de autonomia, mas é o contrário que vai se passar com essa nova lei”, diz o professor de Psicologia. “A Microsoft terá interesse em financiar estudo na área de informática, mas não um trabalho sobre a poesia medieval. Todas as pesquisas não lucrativas desaparecerão. Isso afeta principalmente a área de ciências humanas", afirma Ayouch.

Para o governo, "a França é o único país europeu onde as universidades ainda não são autônomas. Porque o modelo não funcionaria aqui?", pergunta a assessora da ministra Pécresse.

Punição

Outro ponto que provocou insatisfação do corpo acadêmico é o novo dispositivo de avaliação dos professores. Vale lembrar que na França, todo professor universitário é também pesquisador. Com a reforma, cada professor será avaliado individualmente, segundo o número de artigos publicados em revistas especializadas.

Um professor que publica muitos artigos terá que dar menos horas-aula e aquele que não tem um número suficiente de publicações deverá lecionar mais. "Essa forma de conceber o ensino como punição é uma boa maneira de acabar com a vocação de professor”, lamenta Thamy Ayouch.

Para o jornalista Marc Endeweld, especialista no meio acadêmico, “os professores-pesquisadores já passam por avaliações constantes: quando participam de um colóquio, quando organizam uma conferência ou se candidatam a uma bolsa de pesquisa”, explica.

Outro ponto polêmico da reforma é a reestruturação anunciada do CNRS, (Conselho Nacional de Pesquisa Científica, organismo público). Com orçamento anual de três bilhões de euros (8,4 bilhões de reais), e mais de 30 mil pessoas, espalhadas em 1.260 unidades de pesquisa ligadas a diferentes universidades, o CNRS é até agora especializado na pesquisa experimental que não visa uma aplicação imediata. Desde os anos 60, sete dos seus cientistas receberam o prêmio Nobel.

“O CNRS deverá fixar a estratégia de pesquisa nacional para facilitar a parceria entre laboratórios públicos e empresas privadas”, declarou Valérie Pécresse. A associação de professores contra a reforma “Salvar a Pesquisa” considera a proposta inviável: “Na verdade, o que o governo quer é que os laboratórios de pesquisa tenham práticas empresariais como a concorrência e o lucro imediato”, critica em seu blog.

Militando em cafés e praças públicas

Durante esses três meses, alunos e professores se organizaram para sensibilizar a opinião pública, fazendo o que chamam de “greve ativa”. Cursos são ministrados em livrarias, cafés, e praças públicas. “De certa forma, estamos criando uma universidade aberta a todos", comenta o professor de etno-musicologia Nicolas Prévot, da Universidade de Nanterre. “Apesar da situação dramática de uma greve, o movimento proporcionou o encontro entre diferentes cursos, criando coesão entre professores e alunos”, completa Prévot.

Vários outros tipos de manifestação acontecem diariamente na França. A mais recente é a "ronda dos obstinados", em frente à prefeitura de Paris. Desde o começo do mês de abril, os professores se revezam dia e noite, andando em círculos. É uma adaptação dos círculos do silêncio, criados pelos freis franciscanos em sinal de apoio aos imigrantes sem visto, os chamados “sans-papiers”. As rondas universitárias podem ser vistas pela internet ao vivo. Outras cidades francesas copiaram a manifestação.

Um “concerto” de panelas foi organizado em frente ao Panthéon, onde estão enterrados Voltaire, Rousseau, Victor Hugo, Emile Zola, Alexandre Dumas, a fim de “acordar os grandes espíritos franceses”. Veja o vídeo.

Professores e alunos já prometeram que mesmo com o retorno das aulas, a mobilização continua. “Os manifestantes estão determinados a não aceitar a reforma. O problema é que governo ainda não entendeu a força do movimento”, explica o professor Ayouch. Mas no momento, professores e alunos devem ganhar uma outra batalha: a luta contra o tempo para não perderem o ano letivo, que termina em junho.

A internet teve papel fundamental na mobilização. Todas as informações sobre leis e atos públicos são divulgados em diversos blogs.

Opera Mundi

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